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segunda-feira, setembro 17, 2007

Instituto Butantan desenvolve medicamento para síndrome do desconforto respiratório em recém-nascidos

Agência FAPESP, 13/09/2007 – A síndrome do desconforto respiratório atinge milhares de recém-nascidos no Brasil todos os anos. Quando a criança nasce e não chora, os alvéolos pulmonares não abrem e o bebê, sufocado, morre em poucos minutos. Para evitar o problema, é aplicado um biofármaco produzido a partir do surfactante pulmonar de suínos.
Com apoio da FAPESP e do Ministério da Saúde, pesquisadores do Instituto Butantan desenvolveram um processo de fabricação de surfactante pulmonar que deverá baixar em quatro vezes o custo do produto, que hoje é importado, permitindo o suprimento da demanda das maternidades públicas do país.

Com um acordo firmado com o Instituto Sadia de Sustentabilidade, que fornecerá a matéria-prima, o Instituto Butantan montou uma fábrica de surfactante que produzirá, a partir de novembro, 100 mil doses anuais do biofármaco.


De acordo com o presidente da Fundação Butantan, Isaias Raw, o suprimento deverá reduzir drasticamente o número de crianças mortas no dia do nascimento, que chega hoje a 50 mil anualmente. No Estado de São Paulo, o acesso ao surfactante poderá reduzir pela metade a mortalidade infantil.


Agência FAPESP – Quando a fábrica de surfactante pulmonar do Instituto Butantan começará a funcionar?

Isaias Raw – A fábrica está pronta há um mês. Dentro de mais dois meses começaremos a produzir regularmente 100 mil doses por ano. Elas serão entregues ao Ministério da Saúde, que irá fornecê-las gratuitamente para todos os hospitais públicos ou ligados ao SUS [Sistema Único de Saúde], de modo a suprir as salas de parto. Mas, provavelmente, o Ministério só terá condições de fazer a distribuição a partir de janeiro.

Agência FAPESP – O que falta para o fornecimento começar?

Raw – Além de questões orçamentárias do Ministério da Saúde, estamos aguardando o registro final da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Infelizmente, enquanto esperamos o registro, a cada mês de atraso 4 mil bebês morrem no país.

Agência FAPESP – Como é feito, hoje, o abastecimento de surfactante no Brasil?

Raw – É tudo importado. Como o preço é muito alto, o produto não é fornecido pelo SUS e as salas de parto das maternidades públicas não têm surfactante à disposição. É uma situação dramática, porque, se a criança não chora ao nascer, os alvéolos não abrem e ela morre caso o produto não seja administrado em menos de 10 minutos.

Agência FAPESP – Qual a incidência dessas mortes?

Raw – No Brasil, são 50 mil recém-nascidos por ano. No mundo, são 2 milhões. A maior parte poderia ser salva com o surfactante.

Agência FAPESP – Então, o impacto nas taxas de mortalidade infantil será substancial?

Raw – A mortalidade infantil foi muito reduzida nos últimos anos, em parte graças às vacinas fornecidas pelo Instituto Butantan. Hoje, no Estado de São Paulo, metade da mortalidade se deve à falta de surfactante. Esse é o único espaço que temos para reduzir drasticamente a mortalidade infantil. Temos a solução nas mãos, basta ter o surfactante a um preço que o Ministério da Saúde possa pagar.

Agência FAPESP – Quanto custa o surfactante?

Raw – O preço comercial varia com o dólar, mas está em torno de R$ 400 por dose. Vamos fornecer para o Ministério da Saúde por um preço em torno de R$ 100. Uma dose resolve o problema.

Agência FAPESP – Essa redução de custo foi conseguida integralmente com o desenvolvimento da nova tecnologia de produção no Butantan?

Raw – Sim, conseguimos desenvolver a produção a um preço acessível. A parceria com a Sadia, que nos fornece de graça os pulmões usados na fabricação do surfactante, foi muito importante. Mas o fundamental é que os dois componentes caros usados no processo de purificação do surfactante são recuperados quase que integralmente, permitindo um gasto muito baixo com reagentes. A recuperação do solvente também evita a poluição ambiental. A tecnologia de produção conta ainda com um processo que permite o escalonamento para quantidades compatíveis com a demanda.

Agência FAPESP – O processo foi patenteado?

Raw – Pedimos patente. Nossa preocupação é que as firmas comerciais possam fabricar surfactante barato – ou comprá-lo de nós a baixo custo – para vender caro. Isso anularia nosso esforço para equacionar o problema social. Estamos discutindo com fundações internacionais para articular os canais de distribuição. Se há um esforço para dar vacina barata para os países pobres da África e Ásia, por que não dar surfactante também? Os programas que existem no momento são para vacina. Mas vamos encontrar alguém que queira bancar a distribuição do surfactante.

Agência FAPESP – Então o produto será comercializado no exterior?

Raw – Estamos discutindo a possibilidade de atender outros países. O problema é que há uma venda comercial que não resolve nada, porque o surfactante fica restrito aos ricos. O produto tem que chegar aos países em que há mais necessidade. Há também alguns problemas de ordem religiosa. O surfactante é feito de pulmão de porco, e os países muçulmanos não consomem nada de origem porcina. Na Índia é o contrário, eles querem surfactante de porco, pois não consomem produtos bovinos. Tudo isso vai ser resolvido em seu tempo.

Agência FAPESP – Como é feita a aplicação do surfactante?

Raw – O surfactante é colocado em um tubo de plástico fino dentro da traquéia do bebê. O efeito é quase instantâneo. Em pouco tempo ele se recupera, retira-se o tubo e acabou. A síndrome do desconforto pulmonar ocorre freqüentemente com bebês que nascem com baixo peso. Para orientar os profissionais, em vez de fazer uma bula ortodoxa, de papel, estamos preparando um CD que demonstra como se faz a aplicação de surfactante.

Agência FAPESP – As 100 mil doses por ano suprem toda a demanda?

Raw – Sim, elas garantem o atendimento de mais ou menos 50 mil crianças por ano. Mas, gradualmente, a demanda vai cair. Raramente se usa duas doses, geralmente uma é suficiente. Dependendo do tamanho da maternidade, ela receberá umas dez doses e eventualmente haverá um processo de reposição, para nunca faltar. É importante lembrar que o surfactante resolve um problema que sempre vai existir. Não é uma doença que pode ser erradicada.

Agência FAPESP – Os pulmões dos animais são trazidos pela Sadia para a fábrica?

Raw – O Butantan traz os pulmões. Compramos um caminhão frigorífico que vai para o matadouro em Uberlândia (MG), traz os pulmões e eles são lavados para tirar o surfactante. O pulmão não tem valor nutritivo e não é usado pela indústria de alimentos. Doamos os restos para uma firma que produz sabão.

Agência FAPESP – A fábrica produzirá exclusivamente o surfactante?

Raw – Há mais dois projetos relacionados. Um consiste em fazer uma formulação de surfactante para pacientes com pneumonia. Como o surfactante é proporcional ao tamanho da pessoa, é impossível pagar essa conta, a não ser que seja muito barato. O outro é o desenvolvimento, a partir das sobras do surfactante, da aprotinina, usada para controlar hemorragia durante a substituição de uma ponte de safena no coração. Essas proteínas normalmente seriam descartadas.