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segunda-feira, dezembro 18, 2006

Lágrimas, ação. Heliópolis é uma sinfonia

Diário do Comércio (18/12/2006), por Sérgio Roveri - Quando retornou para São Paulo, no início de 2004, depois de dez anos como diretor da Orquestra Sinfônica Brasileira e da Orquestra da Petrobras, no Rio de Janeiro, o maestro paulistano Roberto Tibiriçá foi convidado a conhecer o trabalho do Instituto Baccarelli, na favela de Heliópolis, onde começava a ganhar corpo uma pequena orquestra formada apenas por jovens carentes. O que viu ali, recorda hoje o maestro de 52 anos, inicialmente o levou às lágrimas – e depois à ação. No mesmo dia, um Tibiriçá extremamente emocionado aceitou assumir a direção artística da orquestra que levava o nome da comunidade, a Sinfônica Heliópolis.
Desde aquele dia, várias ondas de emoção banharam o pódio do maestro, entre elas a visita do regente indiano Zubin Mehta ao Instituto Baccarelli, no ano passado, ou a comovente participação dos jovens músicos no espetáculo teatral Acorda Brasil! , escrito pelo empresário Antonio Ermírio de Moraes, e encenado durante o primeiro semestre deste ano no Teatro do Shopping Frei Caneca. Amanhã à noite, sábado (16), no suntuoso palco do Teatro Municipal, Tibiriçá irá protagonizar mais um desses momentos especialíssimos em sua carreira: regidos por ele, os 65 jovens músicos da Sinfônica Heliópolis irão acompanhar o pianista Arnaldo Cohen em um concorrido concerto beneficente. Cohen, que chegou terça-feira de Indiana, nos Estados Unidos, especialmente para este compromisso, irá executar peças de Dvorák e Mendelssohn. O mesmo programa será apresentado no dia 22, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, também com a participação dos garotos de Heliópolis.

"A idéia destas apresentações nasceu em maio, em Belo Horizonte, quando participei, ao lado de Arnaldo Cohen, de uma série de concertos de Beethoven", diz Tibiriçá. "Mostrei a ele o DVD de uma apresentação da Sinfônica Heliópolis e ele se encantou. Na mesma hora concordou em tocar com eles, abrindo mão do cachê". Os dois concertos de Cohen com a Sinfônica foram organizados pela Associação Comercial de São Paulo, com apoio da Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), do empresário Antonio Ermírio. O presidente da Associação Comercial, Guilherme Afif Domingos, e o empresário Antonio Ermírio empenharam-se pessoalmente na divulgação e venda dos ingressos para o concerto de amanhã (16) – toda a renda será destinada ao Instituto Baccarelli, que em breve dará início à construção de uma nova sede, com capacidade para 4 mil alunos. "Será uma das maiores escolas de música da América Latina", diz Tibiriçá. "Também iremos oferecer cursos de balé, criados pela bailarina Ana Botafogo, e de artes cênicas, com o diretor José Possi Neto".

O Instituto Baccarelli foi criado pelo maestro Silvio Baccarelli, 75 anos, comovido com um incêndio que destruiu parte da Favela Heliópolis em 1996. "Quando vi, pela televisão, a imagem dos barracos sendo destruídos pelas chamas, eu senti que precisava fazer alguma coisa por aquela comunidade", diz o maestro. "Pensei principalmente nas crianças. Elas precisavam encontrar, naquele ambiente tão precário, um pouco de esperança de dias melhores".

O Instituto começou a trabalhar, inicialmente, com um grupo de 36 crianças e jovens. Hoje são cerca de 500 – distribuídos entre a Sinfônica Heliópolis, a Orquestra da Manhã (aulas de iniciação musical) e o Coral da Gente. "Mesmo que eles não dêem prosseguimento a uma carreira de músicos profissionais, a auto-estima destes jovens já melhorou muito aqui", diz Baccarelli. "A favela é um gueto. Quando você abre uma janela para que eles abandonem este gueto e vislumbrem um mundo novo, tudo muda na vida deles".

No caso específico dos 65 jovens músicos entre 16 e 25 anos que integram a Sinfônica, a janela aberta pelo maestro já trouxe resultados financeiros: eles recebem, para tocar, uma bolsa-auxílio que varia de R$ 500 a R$ 700 por mês. "Em muitos casos, estes jovens já são o maior salário da casa", diz. "A música ajudou a quebrar um ciclo de miserabilidade na vida deles".